segunda-feira, novembro 24, 2008

Erich Salomon - o rei dos indiscretos

Ontem o jornal Público escolhia esta fotografia


Pilar Olivares, 2008, Reuters

para ilustrar o artigo sobre a cimeira da APEC - fórum de Cooperação Económica que reuniu este fim de semana na cidade de Lima, no Peru, 21 países da Ásia-Pacifico. Em tempos de crise, as cimeiras internacionais sucedem-se, e de encontro em encontro, nas intermináveis horas de discussão e discursos, muitos são os políticos que não resistem e sucumbem ao cansaço.

Logo me lembrei desta fotografia,


Erich Salomon, Ministros franceses e alemães na 2ºconferência de Haia, 1930

do fundador do fotojornalismo político moderno - Dr Erich Salomon, que ao “conseguir introduzir-se”, na segunda conferência de Haia (1930), fotografou ministros alemães e franceses a negociarem e discutirem noite dentro, o pagamento da divida de guerra alemã. Se no início desta sequência fotográfica,


Erich Salomon, Ministros franceses e alemães na 2ºconferência de Haia, 1930

a discussão é acesa e o empenho de todos é visível, no final da noite, depois de muitas horas de negociação, mesmo sob a névoa do fumo dos charutos, poucos resistem acordados. Evidentemente ninguém gostava de ser surpreendido em flagrante delito de sonolência durante sessões tão importantes. Gustav Stresemann,


Erich Salomon, Gustav Streseman com jornalistas no vestíbulo do Reichstag, 1928

o infatigável ministro dos Negócios Estrangeiros alemão acaba por confessar a Salomon: “Antes, podíamos ir à Sociedade das Nações e dormitar um pouco, mas depois que você se tornou fotógrafo, é terrível, nem ousamos fazê-lo, só o facto de saber que podemos ser apanhados em flagrante, mantêm-nos despertos”.
Perseverante, mesmo quando o acesso lhe era totalmente interdito, Salomon não desistia, e conseguia tirar sempre o melhor partido da situação como neste corredor do Hotel Beau Rivage na Suiça, em frente à porta da suite de Ramsay MacDonald,


Erich Salomon, Hotel Beau Rivage, 1932

regista à esquerda o chapéu, bengala e luvas do chanceler do Reich e à direita os chapéus e casacos da delegação francesa.

Nada predispunha Salomon a tornar-se fotógrafo. Filho de um banqueiro de Berlim, regressado da guerra, viu-se obrigado a procurar emprego numa Alemanha em ruínas. Primeiro trabalhou na bolsa, depois numa fábrica de pianos e por fim montou um negócio de aluguer de automóveis, cuja publicidade original nos jornais, chamou a atenção da editora Ullstein, que o contratou em 1926 para trabalhar no seu grupo. Salomon o foto jornalista, como gostava de dizer recusando o termo de foto repórter, revela, através da sua observação brilhante e audaciosa, a vida dos políticos até aí inacessível ao público, abrindo um novo campo de acção ainda inexplorado do fotojornalismo.


Erich Salomon, Berlim, num dia quente nos jardins da chancelaria reunião com Brüning, Agosto 1930


Erich Salomon,Berlim, Conversa entre mulheres de políticos alemães, 1930

Com o seu dom inimitável para estar em todo o lado sem ser notado - a sua máquina Ermanox evitava que recorresse ao flash - Salomon surpreendeu os políticos do seu tempo, mas será o simpático Aristide Briand, o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, que no quai d’Orsay o surpreende e denuncia: “Ah! le voilá! le roi des indiscrets!”.


Erich Salomon, Paris, quai d'Orsay, Aristide Briand com outros dos seus ministros, Agosto de 1931

Finda a Primeira Guerra Mundial, perante a ruína e um povo desmoralizado e com fome, o imperador Guilherme II viu-se obrigado a abdicar. Para os alemães uma nova Constituição era a solução para a desordem endémica em que se encontrava o país. A 9 de Novembro 1918 era proclamada a República de Weimar, que nascia ensombrada com as elevadas indemnizações, que os aliados, através do Tratado de Versalhes impunham aos alemães. Que alternativa tinha a delegação que em Abril de 1919 era obrigada a assinar e não a negociar?
Depois de anos de turbulência, de quedas consecutivas de regimes de coligação,


Erich Salomon, Berlim 1930, Eleição do presidente do Reichstag

em 1926 Stresemann, do Partido Popular, consegue que a Alemanha entre na Sociedade das Nações – uma grande vitória para a Alemanha derrotada. Em 1928, ano em que Salomon começa a fotografar, Stresemann


Erich Salomon, Agosto de 1928, Gustav Stresemann no comboio para Paris

é apanhado a conversar na carruagem restaurante do comboio que o levará a Paris para assinar um novo acordo de paz internacional, o conhecido pacto Briand-Kellog. Briand promete a retirada das tropas francesas na zona esquerda do Reno e nesse mesmo ano Stresemann renegoceia as elevadas dívidas de reparação de guerra. Em 7 de Junho de 1929, um novo acordo é assinado entre a Alemanha e os aliados. A Alemanha compromete-se a pagar em tranches uma dívida que se prolonga até 1988. Se hoje nos parece absurdo, foi a solução técnica mais viável para o país, que acabou assim por não a pagar.

Em Março de 1930, com a morte de Stresemann e a Grande Depressão que se alastrava da América para a Europa, começava o fim da República. Ao olharmos para esta fotografia no Reichstag


Erich Salomon, Berlim 30 de Outubro 1930, Os deputados do partido nacional-socialista em uniforme no Reichstag

temos a percepção de sermos mais um que assiste a uma sessão parlamentar: na bancada à esquerda os nazis fardados, os grandes vencedores das eleições de Setembro 1930, ocupam 107 lugares dos meros 12 que ocupavam depois das eleições de 1924.

Com a crise económica da Grande Depressão e o consequente retorno ao proteccionismo a indústria exportadora alemã entrou em falência. Desemprego, miséria e violência cresciam de dia para dia. Sequiosos de ordem e de um melhor nível de vida, foi fácil ao autoritário Hitler convencer os alemães que poria fim ao caos.

Judeu, Salomon viu-se obrigado a emigrar para a Holanda. Apanhado pelas tropas nazis é enviado para Auschwitz, onde morre, 1944, com a mulher e o filho mais novo.

Erich Salomon le roi des indiscrets, 1928-1938”, está em exposição no Hotel de Sully do Jeu de Paume até 25 de Janeiro. Surpreendentemente, no ano em que o “Mois de la Photo”, tem como tema a Europa, a retrospectiva de Salomon, o fotógrafo que melhor retratou a Europa política do período entre guerras,


Erich Salomon, Lugano, 1928, encontro de ministros de negócios estrangeiros. Da direita para a esquerda, Austin Chamberlain (Grã-Bretanha), Gustav Stresemann, (Alemanha), Aristide Briand (França) e de costas Vittorio Scialoja (Itália).

não está incluída na programação. Esquecimento?

Neste fim-de-semana em Lima, Luis Alberto Moreno do Banco Internacional do Desenvolvimento (BID), não se esquecendo do passado, proferiu no seu discurso o seguinte: “devemos preservar a abertura comercial que permitiu à América Latina entrar na economia mundial”.




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