segunda-feira, maio 05, 2008

A Europa dividida

Aterrando em Orly, de carro, chega-se ao centro da cidade percorrendo a extensa Avenue du Géneral Leclerc. Comandante da Segunda Divisão Blindada francesa, Leclerc, com receio que a sublevação comunista pudesse aproximar o Exército Vermelho da capital, não conteve a sua impaciência e avançou sobre Paris sem pedir autorização ao seu comandante do Corpo Americano. Eisenhower pretendia deixar Paris nas mãos dos Alemães por mais algumas semanas, Patton deveria perseguir os alemães derrotados através do Norte da França, só depois se ocuparia da capital. Leclerc não esperou e na manhã do dia 25 de Agosto 1944, as suas tropas libertavam Paris. Hoje conhecemos o nome Leclerc não pelo feito mas pela série Alô Alô.
Com a libertação, o prazer da vingança em mulheres caídas em desgraça, eram sinais de que a experiência da ocupação fora sobretudo de humilhação.

Robert Capa, 1944
Robert Capa, 1944

Berlim não teve um general Leclerc, Washington deixou que as tropas soviéticas chegassem primeiro à cidade e a 2 de Maio de 1945, a bandeira comunista era içada no Reichstag.

O delineamento da Europa do pós-guerra foi ditado pela ocupação geográfica dos exércitos. A URSS libertara e reocupara o Leste da Europa: Hungria, Polónia, Checoslováquia…e uma barreira estendeu-se do Báltico ao Adriático. A subdivisão da Alemanha iniciada em Potsdam, terminaria com uma última reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros em 1947, o resultado final, um país dividido que todos julgaram preferível a uma Alemanha unida contra eles. Uma linha dividia a Europa, em Oriente e Ocidente, em esquerda e direita e o mundo rapidamente se acostumou a esta divisão.
Winston Churchill, quando em Março de 1946, no Missouri pronunciou no seu famoso discurso a “cortina de ferro” não se enganara na divisão futura da Europa, no entanto não foi de ferro, mas uma cortina de tijolo, cimento e arame farpado.
Thomas Hoepker, Berlim, 1963

Encerrou no sábado passado, na galeria Quadrado Azul em Lisboa, a exposição “No Ruses, so to speak” de Paulo Catrica. Fotografias da cidade de Praga, nos seus contrastes entre o moderno e o antigo, preenchiam parte da exposição.
Paulo Catrica, Praga

Olhar para o que é hoje a Europa de Leste, para as suas transformações, é tema recorrente na fotografia actual.
Mark Power, Varsóvia, Polónia, 2004
Mark Power, Bialystok, Polónia, 2004

Derrubado o muro, a decadência económica dos países de Leste era agora visível para todos, e surpreendeu os mais cépticos. Milhares de fábricas obsoletas tiveram que fechar.
Eric Baudelaire, Wait, 2004-2005
Por exemplo os veículos produzidos, nas formas do Trabant, que Catrica ainda encontra, eram caixas que vomitavam poluição, e não eram alterados há mais de trinta anos. A relação qualidade/produção mostrava o fosso entra as duas economias, que durante 40 anos competiram divididos por uma fronteira.

Mas onde todos fracassaram foi no planeamento urbano. Se no Leste, as casas eram mal construídas e depressa se degradavam,
Mark Power, Polónia, 2004
Eric Baudlaire, The Spce Between, 2004-2005
Eric Baudelaire, Neighbors,2004-2005
Lisa Safarti, Lituânia, 2004
no Ocidente os planos urbanísticos também não passaram de remendos. Estratégias pensadas a longo prazo, que integrassem habitação, serviços, emprego, lazer, nunca existiram, e a fealdade da arquitectura urbana na Europa Ocidental, dos grandes blocos de habitação homogéneos,
Mark Power, Sheffield, Inglaterra, 1985
nas orlas das cidades ou em espaços abertos pela guerra, eram deprimentes, nem pintados com nuvens conseguiam disfarçar a fealdade. O documentário, “L’amour existe”, 1960, do cineasta Maurice Pialat, já nesses anos mostrava os sinais de alienação pessoal e social da classe operária que para lá foi habitar. Pialat filma as casernas de betão armado, em Clichy-sous-Bois, Seine-Saint Denis, La Courneuve, Aulnay-sous-Bois...,os subúrbios de Paris que em Novembro de 2005 se incendiaram. Prédios despersonalizados com janelas cada vez mais pequenas, em que no interior quase não vemos o exterior “mas o que nos serve olhar para o exterior se nada há para olhar…
José Manuel Ballester, Paris, 2004
e o homem na Europa Ocidental que se queria moderna perdia a individualidade nesse mundo feroz e impiedoso da habitação colectiva. Os princípios modernos de arquitectura, definidos na Carta de Atenas, foram erroneamente aplicados a uma escala inédita.
Robert Doisneau, Paris, Place des Fêtes, 1975
Muitos deles foram abandonados passados vinte anos, e hoje continuam as implosões desses enormes edifícios que custam milhares aos contribuintes. O “Ronan Point” no East End de Londres, teve até o bom gosto de cair por si, em 1968.
Londres, Paris, Bruxelas, Frankfurt…acordaram demasiado tarde, as cidades tinham trocado o património urbano por uma confusão brutal.
Com os HLM, (Habitation à Loyer Moderé), atrás, a alegria de Josette no dia do seu vigésimo aniversário sempre me impressionou.
Robert Doisneau, Les Vingt Ans de Josette, 1947
Será que Robert Doisneau a encenou, como encenou o “Baiser L’Hôtel de Ville”?

O tempo passa mais depressa do que julgamos, e nesta semana a Europa comemora os dez anos do euro, e no próximo post vamos continuar na Europa.

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