sexta-feira, dezembro 21, 2007

Edward Steichen

Até ao final deste mês, uma grande retrospectiva sobre a vida e a obra de Edward Steichen (1879-1973) está em exposição no Jeu de paume em Paris.
Michel Frizot, historiador e crítico, há dias num jornal francês escrevia que Steichen, entrou no “purgatório” quando morreu, pois hoje rareiam exposições das suas obras assim como não existe nenhum grande livro sobre o fotógrafo, “voilà pourquoi la rétrospective du Jeu de paume, à Paris, est à saluer...”.
Curiosamente, se o fotógrafo na actualidade não tem tido o relevo que lhe é merecido, a sua fotografia, “The Pond – Moonlight”, representado na exposição por uma fotogravura da revista “Camera Work”, atingiu, até ao momento, o preço mais elevado no mercado de leilões fotográficos, aproximadamente 2.500.000 euros.
Mas regressemos à exposição. Comissariada por William A. Ewing e Todd Brandow, a excelente cenografia é atribuida a Manel (sic), talvez algum catalão trazido por Marta Gili, que deixou a sua cidade de Barcelona, em Setembro de 2006 para dirigir o Jeu de paume.
Infelizmente, e ao contrário do Centre Pompidou, que deixa fotografar desde que não se utilize flash, o Jeu de paume continua a não deixar fotografar, e o leitor, que não tenha a oportunidade de ver a exposição, ficará sem ver, porque o catálogo também não reproduz, a excelência das cores escolhidas e a forma como cada sala foi organizada e pintada. Uma enorme ampliação da ponte George Washington convida-nos a entrar na vida e na obra de Steichen.

Edward Steichen, George Washington Bridge, New York, 1931, Colecção Condé Nast Publications

Depois, o ritmo, é marcado pelas cores, que definem e marcam as diferentes épocas e fases da obra do fotógrafo. A primeira, o período pictorialista, por aproximarem a fotografia à pintura, o verde, semelhante ao verde do Balzac de Rodin, é a cor escolhida.

Edward Steichen, Balzac - Le ciel à 23h, 1908, Colecção Metropolitan Museum of Art.

Segue-se um amarelo âmbar, semelhante aos raios de luz que emanam dos isqueiros Douglass.

Edward Steichen, Briquets Douglass Lighters, 1928, Colecção Michard e Jackie Hollander

Entramos no período modernista, onde a fotografia dos vasos empilhados, que vi pela primeira vez no livro,“The History of Photography” de Beaumont Newhall no capítulo “Straight Photography”, hoje o livro seminal da história da fotografia, é na exposição apresentada como mostra da dedicação e paixão que Steichen tinha pela jardinagem.

Edward Steichen, Wheelbarrow with Flowers Pots, 1920, Colecção, Museum of Modern Art

Subimos ao segundo piso, onde nas escadas o som das gares de comboios, símbolo da modernidade, nos acompanha no percurso. Entramos na sua fase comercial, nos anos em que trabalha como director de fotografia da Vogue, revista de moda, e da Vanity Fair, de Condé Nast. O vermelho, a tender para o grenate, mistura-se com as cores dos novos padrões têxteis, para a firma Stehli, que Steichen desenha a partir das abstrações obtidas das fotografias que tira em ângulos aproximados a objectos insólitos: arroz, botões, fios, etc...É a época em que cineastas, escritores, atletas, políticos, enfim, toda a alta sociedade de Nova Iorque passarem pelo seu estúdio.

Edward Steichen, Greta Garbo, 1928, Colecção Condé Nast Publications

É também a época de Steichen fotografar os modelos dos grandes costureiros – Worth, Poiret, Lelong, Lanvin, Chanel e Schiaparelli. Art déco,

Edward Steichen, Gloria Swanson, New York, 1924, Colecção Condé Nast Publications

linhas angulares e diagonais, sobressaem nas suas composições.

Edward Steichen, Evening Gowns and wrap by vionnet, 1930, Colecção Condé Nast Publications

No centro de uma das salas, um filme que nos revela como Steichen fotografava os seus modelos. Depois, um azul forte, marca o último período de Steichen, que aos 60 anos, altura em que rebenta a segunda grande guerra, se alista, 1942, como voluntário na marinha americana: as fotografias, os livros e as exposições das reportagens da segunda guerra mundial. “Road to Victory”, 1941, a exposição que organiza, destinada a encorajar o esforço da guerra é encomendada pelo MoMA, a primeira de uma série, a viajar pelo mundo. A primeira a deixar entrar num museu, a fotografia enquanto médium de comunicação de massas, pode-se quase dizer, a revista Life exposta num museu. Por fim, Steichen como director do departamento de fotografia, 1946, no MoMA. O espaço a percorrer chegou quase ao fim, interrogo-me, será que omitem “The Family of Man”? A surpresa está reservada para o fim: numa sala estreita, a última, uma projecção gigantesca, uma reconstituição em 3D da exposição que teve lugar no MoMA em 1955,

Recriação em 3D, "The Family of Man", 1955

Recriação em 3D "The Family of Man", 1955

Recriação em 3D "The Family of Man", 1955

Recriação em 3D "The Family of Man", 1955

Recriação em 3D "The Family of Man", 1955

simula uma visita virtual à exposição, é a sensação de visitar-mos uma outra exposição, a exposição que circulou por mais de 38 países, que não interessou a Portugal, e que teve o maior sucesso, 9 milhões de visitantes, de 1955-1962. Mais uma vez, pena o catálogo não reproduzir o circuito e a montagem da exposição.
Pela diversidade da sua obra, Steichen foi em vida muito criticado pelos seus pares, Alfred Stieglitz, Walker Evans, Paul Strand, mais tarde Ansel Adams. Não o foi menos pela crítica, que o chamou de simplista e sentimental, enquanto comissário da exposição “The Family of Man”.

Steichen, o mal entendido, o que entrou para o “purgatório”, cresceu no Milwaukee (Wisconsin), no seio de uma família de agricultores que deixaram o Luxemburgo e emigraram para a América em busca de uma vida melhor. A sua criatividade e gosto pela arte cedo o levaram a Nova Iorque, onde Alfred Stieglitz, o recebeu no seu círculo de amigos. Steichen e Stieglitz a dupla inseparável da revista “Camera Work”, (1903-1917) e da galeria “The Little Galleries of the Photo- Secession”, (1905-1917), que abriu no seu estúdio, o número 291 da Quinta avenida. Stieglitz, a figura visível, Steichen na retaguarda, sugeria e montava a maior parte das exposições.

Alfred Stieglitz, 1ª exposição de Edward Steichen na "Little Galeries", 1906, montagem de Edward Steichen

A fotografia exposta lado a lado com a pintura, gravura, desenho e escultura, permitiam aos visitantes comparar o mesmo tema, como a representação do corpo feminino, interpretado por artistas tão diferentes. No iníco do século XX, sugerir tais paralelismos era uma ideia revolucionária, hoje, a interdisciplinaridade das artes, o pão nosso de cada dia. “Steichen, une épopée photographique” é uma homenagem merecida ao fotógrafo e comissário que foi Steichen, e regressamos a Michel Frizot, “voilà pourquoi la rétrospective du Jeu de paume, à Paris, est à saluer...” ao homem que cresceu no meio do nada e transbordou criatividade.

Ouça aqui uma crítica da exposição.

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