terça-feira, novembro 13, 2007

Corridas ao Ouro

O ouro, muito antes de se converter em moeda de troca comercial, julga-se que foram os Lídios 700 anos a.C. que produziram as primeiras moedas, sempre fascinou o homem. Descoberto no leito dos rios e pelo seu brilho, levaram os antigos a julgarem que se tratava de uma combinação alquímica entre a água e o sol.
O ouro, mais precisamente os futuros do ouro, atingiu a semana passada um pico, $ 837, não bateu o recorde porque ainda não ultrapssou os $ 875 do dia 21 Janeiro de 1980, mas está próximo.

A crise do “subprime”, do crédito hipotecário, iniciado em Julho na América, tem obrigado, agora que a banca americana revela os resultados, muitos dos seus CEO a demitirem-se. Os mercados bolsistas caem e a banca é um dos sectores que mais tem corrigido. O ouro ao inverso da bolsa, sobe de forma vertiginosa. Em tempos de insegurança o ouro dá segurança, e a história repete-se.
Ainda hoje, o dia 29 de Outubro de 1929, é lembrado por todos como a sexta-feira negra dos mercados bolsistas. Os Investment Trust, o equivalente aos fundos de investimento actuais, eram os produtos financeiros onde os investidores colocavam as suas poupanças. De 1924 a Outubro de 1929, os Investment Trust atingiam rátios astronómicos, irrealistas, e o Dow Jones Utility Average (DJUA) chegáva ao pico dos $385. Inevitávelmente segui-se o crash, que veio para durar, pois os seus efeitos continuaram por mais três anos: o valor $41, o mínimo do (DJUA), seria atingido em 1932. Em contraciclo, as acções do ouro, como a Homestake Mining, subiram. Em Outubro de 29 valiam $80, em Dezembro de 1935, $495, um retorno superior a 500%, durante um periodo de “bear market”.

“Forty-niners”, foi como chamaram a quem correu, e foram milhares, para o sopé da Sierra Nevada na Califórnia, à procura do ouro que James Marshall descobria em Janeiro de 1848 ao longo do “American River”.
Iniciava-se uma corrida ao ouro, bem difícil porque pela frente um novo continente por desbravar. O comboio, a linha transcontinental, só viria vinte anos mais tarde.
A.J.Russel. Train on Embankment, Granite Canon Albumina, 1868-70
Muitos iam de barco, passavam o Cabo Horn e atracavam na baía de São Francisco, depois seguiam a pé até à Sierra Nevada. A costa Oeste da América, quase desabitada, entre colonos e população local não eram mais de 30.000, depressa chegou aos 300 000. Quem seguia por terra, contrabalançava os perigos da viagem com o fascínio da paisagem. Muitos fotógrafos seguiram a rota do ouro, queriam fotografar para dar a conhecer o que se passava nessas terras longínquas. Mas os daguerriótipos, processo muito vulgarizado na América, embora minucioso no detalhe não cativava audiências. Provas únicas e de pequeno formato, a imagem só podia ser vista por uma pessoa à vez e não suscitava, como os panoramas, a imaginação do espectador.
Anónimo, Gold Miners, Daguerriótipo, c.1850
Carleton Watkins, Gold Miners
Os panoramas, pinturas feitas em sequência com vários metros de comprimento, cativavam por narrarem uma história. O fotógrafo canadiano Jeff Wall, em Restoration, fotografa um panorama a ser restaurado. Embora use uma câmara de 360º, Wall capta só 180º do panorama.
Jeff Wall, Restoration, 1993, Transparency in lightbox 1190 x 4895, cinematographic photograph
Jeff Wall, Restoration, 1993, (detalhe)
A mulher que olha no cimo de um andaime, indica-nos que está a ver a parte do panorama que nós observadores não vemos. Esta opção de Wall, leva-nos a perceber que ver um panorama exigia movimento.
James Wilkins tornou-se famoso ao popularizar panoramas que narravam a rota e as terras do El Dorado. Durante cerca de três horas, o público era entretido com a montagem sequêncial de pinturas que representavam essas terras longínquas , o panorama foi o antecedente do cinema.
Os daguerriotipistas que seguiram até à Califórnia para fotografar a descoberta, adoptaram a mesma estratégia narrativa dos panoramas, fotografavam em séries criando a ilusão de movimento. Benajah J. Antrim, Robert Vance foram alguns dos daguerriotipistas que se aventuram para o Oeste. Em 1851 Vance expõe em Nova Iorque a sua série “ Views of California”. O jornal “The Photographic Art Journal” relatava: “this collection comprises a complete panorama of the most interesting scenery in California. There are over three hundred daguerreotypes so arranged that a circuit of several miles of scenery can be seen at a glance…on looking upon these pictures, one can imagine himself among the hills and mines of California, grasping at the gliterring gold…”. Embora os seus daguerriótipos tenham tido êxito, Vance perdeu dinheiro nesta aventura, e a sua colecção foi vendida e revendida, hoje desconhece-se o paradeiro da colecção. Outros como J.Wesley Jones repetiram a experiência, nunca conseguindo reaver o dinheiro investido. Com o processo negativo/positivo, os fotógrafos enveredaram pelas vista panorâmicas, constituindo enormes painéis com fotografias sequênciais, como Carleton Watkins, que em 1958 no topo de Nob Hill tirou várias fotografias à cidade de São Francisco, constituindo depois um enorme panorama da cidade. Watkins deixara Nova Iorque em 1951 pelo Oeste, e três anos depois montava o seu estúdio fotográfico na cidade. Na década de 1870, é o boom nas minas da região de Comstock. Watkins, segue a rota ao longo do rio Carson, desde o Lago Tahoe até à cidade da Virgínia.
Carleton Watkins, River Carson, 1876

As minas de Comstock atrem os investidores bolsistas, e a cidade torna-se numa das maiores do Oeste.
Carleton Watkins, Consolidated Virginia Mill, 1876
Carleton Watkins, Gold Hill, Imperial Works, 1876
Carleton Watkins, Panorama Virginia City, 1876
Carleton Watkins, Sierra Nevada, Hoisting Works, 1876
Carleton Watkins, Hoisting Works, 1876
Carleton Watkins, Hoisting Works, 1876
Carleton Watkins, Virginia City, Opera House, 1876
Carleton Watkins, Virginia City, International Hotel, 1876
Carleton Watkins, Pepita de Ouro com 201 Onças, c. 1880

Em 1880 é o colapso económico da região, as minas desactivadas levam milhares para o desemprego, e a cidade transforma-se numa cidade fantasma. Sessenta anos depois, é a vez de Edward Weston, percorrer as cidades fantasmas, Golden Circle Mine em Death Valley
Edward Weston, Golden Circle Mine, Death Valley, 1939
Edward Weston, Leadfield, death Valley, 1939

e Hornitos. Chega-se a Hornitos pela estrada J16 na região de Mariposa.
De influência Hispânica, Hornitos faz hoje parte das cidades fantasmas da Califórnia com 75 habitantes. Por volta de 1850, nos tempos aureos da corrida ao ouro, Hornitos chegou a ter 15 000 habitantes e 36 saloons. Em 1940, Weston pára em Hornitos e fotografa um fragmento da porta da igreja e o muro do Mexican Plaza, praça central da cidade.
Edward Weston, Church Door, Hornitos, 1940
Fotografia actual da igreja de Hornitos
Edward Weston, Mexican Plaza, Hornitos, 1940
Edward Weston, Wall Scrawls, Hornitos, 1940

Se a paisagem da costa do Carmel, Point Lobos foi ideal para o desenvolvimento do seu modernismo, procurando através das rochas e raízes de ciprestes uma abstração orgânica da natureza, Hornitos é a cidade fantasma que lhe porpociona a simplicidade formal da arquitectura passada. A textura da madeira da igreja pintada de branco e as linhas simples da sua construção correspondem ao formalismo que Weston tanto procurava. As minas de ouro desactivadas e as suas cidades fantasmas são tão importantes como as suas fotografias da natureza. Como nas suas séries de Point Lobos, a camara está tão próxima do objecto que a igreja perde a sua identidade e só é reconhecível pela denominação Door’s Church. Como o próprio reconhece a simplicidade e a pureza das formas da escultura de Brancusi inspiram o seu olhar.
Mas a cidade da Virgínia veria melhores dias na década de 1960. A série Bonanza, criada pela NBC TV em 1959, é filmada nas terras junto à cidade da Virgínia. Durante anos, os 430 episódios que começava com o mapa da região a arder, invadiram milhares de lares.
Série Bonanza, Hoss, Pa and Little Joe

E muitos desses milhares foram visitar o famoso Ponderosa Ranch em Virgínia. A cidade fantasma tornou-se então uma atracção turística.
Nota: para quem se interessar porque o ouro deixou de ser referência como moeda de troca dos bancos centrais veja aqui.

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