quarta-feira, outubro 31, 2007

À espera de "Photography and Cinema" de David Campany

Jean-François Chevrier, historiador e crítico de arte, num texto que escreve para o livro“L’art en Europe – Les années décisives 1945-53”, inicia com uma declaração bombástica para a fotografia, diz Chevrier, que é a crítica cinematográfica, publicada no Cahiers du cinéma, por André Bazin e os críticos que o rodeavam, que propõem um método e interpretação da criação fotográfica nos anos de 1950. Não foram nem os fotógrafos, nem os historiadores, nem a crítica especializada que escreveram sobre a criação fotográfica na Europa desses anos, a fórmula de Rossellini, continua Chevrier, escrita num texto publicado pelo Cahiers du cinéma em 1955-56, aplica-se bastante bem à situação fotográfica desses anos: “O cinema, escreve Rossellini, que adquiriu uma grande importância na vida do dia a dia, é também uma arte, ou começa a ser uma arte ou é às vezes arte. Tudo está por descobrir”. O cinema mais jovem que a fotografia, afinal a base da cinematografia veio da fotografia, não estava tão marcado pelo peso da história, como sucedia com a fotografia, e a crítica assim mais liberta do peso do passado, escrevia em função dos interesses contemporâneos. Se para essa época podemos interpretar a criação fotográfica a partir da crítica cinematográfica, é sem dúvida porque as ligações do cinema com a fotografia eram intensas. Muitos dos fotógrafos trabalharam com realizadores, Cartier-Bresson com Jean Renoir, Robert Doisneau com Carné, Chris Maker realizador é também fotógrafo e amigo de Bazin e Fellini, William Klein trabalhou com Fellini, e o livro fotográfico Roma, que Klein fez enquanto esperava na cidade para trabalhar como assistente do mestre, teve como já vimos neste blogue,

William Klein, Roma, 1956
Fellini, La Dolce Vitta, 1961
Fellini, La Dolce Vitta, 1961
certamente influência em “La Dolce Vitta” de 1961. Outros fotógrafos, como Brassai sentiram também a necessidade de fazer cinema, a realização “Tant qu’il y aura de bêtes” de 1956, é um exemplo. Em Portugal, Victor Palla e Costa Martins, ambos arquitectos mas também fotógrafos eram apaixonados pelo cinema, o seu livro “Lisboa cidade triste e alegre”, 1959, é para mim, como também já aqui mostrei, um livro cinematográfico.
Victor Palla, Costa Martins, "Lisboa cidade triste e alegre", 1959

Mas o entrecruzamento da fotografia e cinema não é novidade, e se recuarmos uma geração, à época das vanguardas russas e alemãs, a ligação da fotografia ao cinema, era acima de tudo natural, a fotografia era o progenitor, o cinema o filho, e a simbiose de fotografia e filme salta à vista nas exposições, revistas e filmes da época. Na Rússia, a revista Kino-Fot (cinema e fotografia), criada em 1926 por Aleksei Gan, combinava artigos fotográficos e cinematográficos e quer fotógrafos como cineastas escreviam sobre ambos. Rodchenko, Dziga Vertov e El Lissitzky, (fotógrafo, cineasta e designer) eram amigos e trabalhavam em conjunto e as suas aptidões criativas são postas ao serviço da propaganda política pois as ligações entre fotografia, cinema e montagem, conjugavam na perfeição arte e política. Malevitch referia-se nestes termos aos filmes de Vertov, “mostram o objecto enquanto tal e forçam a sociedade a ver os objectos sem qualquer maquilhagem, reais, autênticos e independentes do mundo idealizado. Esses objectos, apresentam uma imagem muito mais poderosa e interessante que a pintura e os seus conteúdos”. Em “Simfonia em Donbassa”, 1930 e “O homem com a câmara de filmar”, 1929,
Dziga Vertov, O homem com a câmara de filmar, 1929
Alexander Rodchenko, Rua Miasnitskaia, 1925
Vertov filma como Rodchenko fotografa. Nas exposições internacionais, como “Pressa” em Colónia em 1928, El Lissitzky apresenta no pavilhão do seu país,
El Lissitsky, montagem na exposição "Pressa" Colónia, 1928
um design em que mistura filme e fotografia e o mesmo irá fazer no ano seguinte, 1929, na exposição organizada pela Deutscher Werkbund in Stuttgart, a hoje célebre “Film und Foto”.

Wernar Graff, Livro editado para a exposição "Film und Foto", 1929
Moholy-Nagy, um dos organizadores da exposição, fora professor na Bauhaus, deixara a escola em 1928, mas enquanto professor na Bauhaus escreveu “Malerei, Fotografie Film”em 1925 e editado pela escola em 1927. Moholy-Nagy, enquanto organizador da sessão fotográfica da exposição, expõe as últimas tendências da “nova visão”, para utilizar a sua definição, misturando fotógrafos conhecidos com fotografias feitas por anónimos, mas mais uma vez é a mostra soviética que melhor consegue estabelecer uma estreita relação entre cinema e fotografia.
Pavilhão Russo, em "Film und Foto", 1929
Em estruturas abertas estavam montadas de forma solta fotogramas e filmes de Vertov e Eiseinstein. Na Alemanha, o cinema exerimental também atinge o auge: Walther Ruttmann, “Berlin-Ein Sinfonie der Grosstadt”, 1927, Werner Graff “Komposition I e II”, 1922, Moholy-Nagy “Lichtspiel”, 1930, Rudolf Pfenninger “Barcarole”, 1932, Lotte Reiniger “Das Geheimnis der Marquise”, 1922, são alguns dos filmes das vanguardas alemãs dos anos 1920, que a Cinemateca nos mostrou em Dezembro de 1990. "Sunrise", de Murnau, o seu primeiro filme produzido em Hollywood é um outro exemplo, da ligação da fotografia ao cinema. Num polo oposto e em contradição com a “nova visão”, em Paris, Man Ray, fotógrafo, realizador, pintor, refazedor de objectos...é o expoente máximo do surrealismo,
Man Ray, fotograma do filme Les mystères du château du dé, 1928

e já agora, a RTP2, não sei precisar o ano, mostrou-nos toda a sua filmografia.

No outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, fotógrafos e realizadores, criam em conjunto a Film and Photo League, 1930, como sessão da Workers’ International Relief de Berlim. Entre os seus membros distinguem-se os realizadores, Leo Seltzer, Robert Del Duca, Leo Hurwitz, Tom Brandon e Irving Lerner, que influênciados pelos filmes russos, em particular de Vertov, Eisenstein e Poudovkine, (que mais uma vez a Cinemateca em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian nos mostraram em 1987, no ciclo de cinema das vanguardas russas), começam a produzir os seus documentários sociais dos anos da depressão. Greves, manifestações,
Leo Seltzer, fotograma do documentário manifestação no Harlem, 1933
Leo Seltzer, fotograma do documentário Família na pobreza, 1933

denúncias sociais vão estar no centro dos seus filmes improvisados e filmados ainda em 35mm e a preto e branco. Do lado dos fotógrafos, Sid Grossman, Aaron Siskind, Sol Libsohn, Morris Engel, Max Yavno e tantos outros têm como referência a fotografia documental de Lewis Hine, Paul Strand, e dos fotógrafos da Farm Security Administration. Realizam documentários em conjunto, como Harlem Document, Dead End:The Bowery entre outros. Quer os filmes como os documentários fotográficos eram mostrados em todo o país. É interessante também referir, a exposição “Walker Evans e Dan Graham”de 1992, onde Chevrier como comissário relaciona a série de fotografias que Walker Evans tira às escondidas no metro de Nova Iorque, em 1930, mas só publicadas trinta anos mais tarde no livro “Many are Called”, com os filmes, do alemão Fritz Lang “Metropolis”, 1924,
Fritz Lang, Metropolis, 1924

e “M” em 1931.
Mas regressando à década de 1950, se o cinema se autonomizou, porque soube ser criativo com o “neo-realismo” em Itália e a “nouvelle-vague” em França, a fotografia continuou a olhar para o passado, quer na Alemanha, com Otto Steinert ainda muito agarrado à experimentação da Bauhaus, quer com o fotojornalismo francês ainda a olhar para um realismo poético e nostálgico. O cinema, e exceptuando alguns casos na fotografia como Nigel Henderson em Inglaterra, afirmava uma nova modernidade ao filmar temas contemporâneos que interessavam ao público. Em Hollywood, o austríaco, Otto Preminger, atreveu-se a abordar temas controversos. “The Man with the Golden Arm”, 1955, denúncia o vício da heroína e Frank Sinatra, numa cena impressionante, desempenha o papel de um heroínomano a ressacar. Uma nova realidade chegara aos ecrãs do cinema, enquanto a fotografia, tardou a tratar os temas da actualidade. “Tulsa”
o livro autobiográfico de Larry Clark, que fotografa as suas experiências com a droga só é editado em 1971, muitos anos depois, do filme de Preminger.

O cinema e a fotografia vivem agora de costas voltadas. Excepção, é Wim Wenders, que é simultâneamente realizador e fotógrafo. Muitos dos seus filmes como “Paris, Texas”, 1983, são produzidos a partir de fotografias. Wenders, primeiro percorre durante meses o Midwest americano fotografando.
Wim Wenders, fotografia Paris, Texas

É então, a partir das suas fotografias, que Wenders dá vida aos personagens do filme. As fotografias, que representam o passado, transformam-se na mão do realizador Wenders, numa história. Não me alongo mais em Wim Wenders, porque como fotógrafo e realizador, Wenders merece um post só para ele.

E todas estas ligações, entre cinema e fotografia, vêem a propósito de um livro, que a Amazon já à largos meses anda a anunciar, “Photography and Cinema” de David Campany, e que finalmente estará disponível no próximo mês.

Se as relações do cinema e fotografia são imensas, escasseiam no entanto livros que analizem essas relações. “Cine de Fotógrafos” de Margarita Ledo Andión, editado pela GustavoGili, restringe-se aos fotógrafos que também enveredaram pelo cinema. Na blogosfera, Alec Soth, um dos fotógrafos da Magnum, escreveu no seu blog um post enunciando os fotógrafos que enveredaram pelo cinema, e aproveitando a vantagem desta rede de contactos que permite a blogosfera, pede aos leitores que em comentário acrescentem outros nomes à sua lista.

Na última Aperture, uma revista de fotografia, David Company levanta o véu do seu “Photography and Cinema”. Campany faz então uma análise de como os fotógrafos ao longo dos anos se interessaram pelos estúdios de Hollywood. Começa com Weston, depois Arbus, mais recentemente Larry Sultan, John Divola e Stefen Ruiz.
Em cima John Divola, em baixo Stefen Ruiz

Depois a rodagem dos filmes fotografados pelos fotógrafos, “The Misfits”, 1961, o célebre filme que teve exclusividade para os fotógrafos da Magnum e que aqui já mostrámos muitas dessas fotografias, e também o musical Annie, 1982, fotografado por Stephen Shore, William Eggleston, Garry Winogrand, Joel Meyerowitz e Mitch Epstein, onde cada um, à solta, fotografa o que mais lhe interessa. Esperemos então pelo livro.
Setphen Shore, Annie,1982

Em Fevereiro, no fim de semana da entrega dos óscares, fiz uma viagem, através da fotografia, á mítica Los Angeles. Los Angeles é cinema foi como chamei ao título do post, porque a fotografia em Los Angeles também ela se transforma em cinema.

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