terça-feira, julho 03, 2007

Pine Flat de Sharon Lockhart

No Centro de Artes Visuais, CAV, em Coimbra, já se pode ver a segunda parte de Edit! Fotografia e Filme na Colecção Ellipse.
Se na primeira parte de Edit! fomos até Los Angeles e mergulhámos nas piscinas de Ed Ruscha, porque não sairmos de Los Angeles e irmos até Pine Flat com Sharon Lockhart?
Pine Flat, conjunto de fotografias e filme, é um dos trabalhos de Lockhart que a Fundação Ellipse adquiriu há uns meses e que agora se pode ver no CAV.

É Verão e porque não fugir do stress de Los Angeles, que já conhecemos, e procurar refugio num local mais aprazível? Já estamos em Julho e para muitos as férias já começaram. Mas para os que ainda não foram, porque não viajar através do mundo artificial que é a fotografia? Hoje tudo é artifício e através da fotografia transfomamos o viajar exterior e literal num viajar interior e imaginado. Se nos primórdios da fotografia, viajava-se pelo Oriente, (Palestina, Síria, Egipto...) através dos álbuns fotográficos, hoje viajamos no mundo virtual da internet.
Para nos orientar nesta viagem imaginária (ou real), feita de fotografias, utilizamos mapas geográficos que representam o território dessas imagens.
Viajamos sempre com mapas que também eles transformam o território num conceito imaginário. É difícil encontrar Pine Flat nos mapas, e não é fácil lá chegar. Foi acidentalmente que Lockhart veio dar a esta vila nas pregas da Sierra Nevada. Utilizemos então o mapa feito à mão que a artista utilizou.
Mapa de Pine Flat, Califórnia de Sharon Lockhart, 2006
É na cidade em baixo, Bakersfield, que os habitantes de Pine Flat encontram trabalho.
Bakersfiled
Com um grande crescimento populacional nos últimos anos, Bakersfield, uma cidade que vive da agricultura e da exploração do petróleo, é mais uma das muitas pequenas cidades da América. Mas à esquerda uma seta indica, que estamos perto do Mojave, e lemos Grapes of Wrath,
será o livro The Grapes of Wrath de John Steinbeck? Por cima de Salinas, o nome John Steinbeck foi apagado, aqui trata-se do filme A leste do Paraíso, que se desenrola em Salinas Valley interpretado pelo jovem James Dean e inspirado no livro de J. Steinbeck. Mas perto do Mojave será que Lockhart quis assinalar o percurso migratório dos agricultores, que deixaram o Oklahoma quando o grande celeiro da América ficou reduzido a pó?
Do livro An American Exodus, Dorothea Lange, Paul Taylor, 1939.
Oklahomans on US 99 in the San Joaquin Valley, California, 1938
Ao deixarem as suas terras para trás migraram para outros estados, e a Califórnia foi invadida.
“Novo México e as montanhas. Muito distante, sinuosa e elevando-se para o céu, a linha das serras. E as rodas dos veículos rangiam, os motores ardiam e o vapor espirrava da tampas dos radiadores...” lemos em “As vinhas da ira” e vemos nas fotografias de Dorothea Lange essa migração terrível.
Dorothea Lange, March 1937
Entering California through the desert, Oklahoma family on US 99
Atravessar o Mojave é difícil. Mojave é o deserto que Edward Weston imortalizou no tamanho surreal de Hot Coffee,
Edward Weston, Hot Coffee, MOJAVE DESERT, 1937
e do carro queimado que certamente não resistiu à dureza da viagem.
Edward Weston, Burned Car, MOJAVE DESERT, 1937

Depois do deserto seguiam pela route 99 de San Joaquin Valley.
Dorothea Lange, US 99, San Joaquin Valley, November 1938
Dois anos depois, no verão de 1940, é a vez de Ansel Adams e Beaumont Newhall (o pai da célebre History of Photography) passarem na route 99. De visita aos Adams em S. Francisco, não resistem ao seu convite de passarem alguns dias na casa em Yosemite Park. “Depois de um longo caminho de carro pelo tórrido San Joaquim Valley chegamos ao parque”, lemos nas notas de Nancy. As notas de Beaumont são muito diferentes. Com Adams ao volante, falavam de fotografia e o entusiasmo acabou na criação de um departamento de fotografia para o MoMA. Como recorda Newhall, quando chegam à casa no parque, Ansel, telefona ao seu amigo David McAlpin que já financiara a exposição “The History of Photography” organizada por Newhall no MoMA, em 1938. A casa dos Adams ficava no vale perto das cascatas.
Yosemite Valley, Ansel Adams, 1927
McAlpin, também entusiasmado com o projecto fala com Nelson Rockefeller e a resposta é o sim. No jardim debaixo de uma “manzanita”, recorda Newhall, comemorámos tomando bebidas frescas. A 17 de Setembro Rockefeller e o conselho de administração do MoMA , aprovam o novo departamento de fotografia, será o primeiro museu no mundo a fazê-lo. Ainda bem que route 99 é longa...

Mas a Califórnia é terra de (i)migrações, e muito antes da migração do Midwest foi a imigração para a Sierra Nevada, em 1848, em busca do ouro. Vieram pelo Oceano Pacífico. Em S. Francisco ficou o nome, Golden Gate, para recordação. Já vimos a pepita de ouro de Carleton Watkins e a maravilhosa odisseia que foi a corrida ao ouro, registamos agora a imigração dos chineses na construção do caminho de ferro na Sierra Nevada.
Alfred A.Hart c.1868, Railroad construction at Secrettown, Sierra Nevada
Afastados dos trabalhos na procura do metal precioso, restava-lhes a construção do Central Pacific Railroad em que 90% dos trabalhadores eram chineses.
Falta Visalia, a outra cidade abaixo da montanha de Pine Flat.
Visalia servirá de cenário para o filme Ken Park de Larry Clark,
Do filme Ken Park de Larry Clark
que também deixa Tulsa no Oklahoma, para registar, agora em filme e com actores a deliquência juvenil das novas gerações.
Larry Clark, Livro Tulsa, Lustrum Press, 1971
Do livro Tulsa
Em 2006, o festival Indie Lisboa apresentou os recentes filmes de Clark. Sobre o filme Ken Park, a irmã de Lockhart escreve o seguinte: “A Sharon disse-me que quando estava a ver este filme, havia uma cena onde ela pensava ter reconhecido um dos rapazes do filme dela. Talvez um dos miúdos tivesse deixado a montanha para viver com outro parente qualquer, ou tivesse ido par uma escola especial por ter sido expulso da normal, ou talvez não existisse nenhuma razão para ela pensar que um dos miúdos dela andava a partilhar cachimbos de àgua e histórias tristes com outros putos à frente da câmara do Larry Clark. Ela disse-me que tinha a certeza que era ele, e teve de ver e rever a cena várias vezes até se aperceber, com algum sentimento de alívio, acho eu, que estava enganada”.

Vamos então subir à montanha e ver os miúdos de Pine Flat, que aí reinam durante o dia, enquanto os pais desceram à cidade para trabalhar. Que fazem eles? Foi isso que Lockhart acabou por transformar em filme. Longe de uma história narrativa, o filme são sequências de doze retratos, de crianças sózinhas ou em grupo, captados sempre com a câmara fixa. O ritmo é vagaroso como vagarosa é a vida em Pine Flat. No filme as crianças habitam sempre a paisagem; no riacho a brincarem,
na floresta coberta de neve,
no baloiço feito num dos braços de um enorme carvalho,
dormindo no meio das folhas,
lendo um livro no campo,
esperando a camioneta da escola que terá de subir as curvas da montanha...
O som imprime outro ritmo, é o ruído de um avião que transtorna a cena bucólica, acidente do acaso que Lockhart optou por perservar, como também perserva o ruído do motor da camioneta que levará a criança à escola, outras vezes serão os risos e o mergulhar no riacho para apanhar um peixe, outras ainda o som de alguém que não vemos, que na montanha coberta de neve de forma repetida vai gritando cada vez mais alto “Ethan where are you?”...
As fotografias, retratos no estúdio sob um fundo preto, num celeiro adpatado, foram feitos também de forma natural. Sem adereços os miúdos vestiam o que queriam e iam quando queriam.
Embora em estúdio, forma inversa do filme, revelam-nos pistas, quer através dos gestos ou vestuário de outras actividades não filmadas. Lockhart regista os comportamentos habituais e as actividades destas crianças no seu quotidiano.
Pine Flat, é o rosto de uma América rural que julgavamos já não existir, mas até quando Lockhard pode suspirar de alívio ao ver os filmes de Larry Clark?

Nota: Pine Flat esteve em exposição no Museu do Chiado de Outubro a Janeiro deste ano. O Museu adoptou o formato que Lockhart faz para as galerias. Em vez do filme, separado por um intervalo, dois segmentos em loops contínuos eram mostrados cada dia da semana. O mesmo bilhete serviu para visualizar as seis sessões.

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