terça-feira, julho 17, 2007

Aprender a olhar

A revista Scientific American Mind publica neste mês um estudo sobre o funcionamento da percepção quando olhamos para imagens invertidas. Através de uma experiência divertida, revela como o nosso cérebro facilmente se engana quando olhamos para estas imagens.



Olhemos então para estas duas imagens invertidas, que pouco ou nada diferem. Na nossa retina as imagens invertidas formam-se num processo semelhante à optica duma máquina fotográfica. Mas ao contrário destas, que através de um espelho corrigem a inversão da imagem para que a visualizemos correctamente no visor, no nosso cérebro não existe nenhum mecanismo semelhante ao espelho. Ao nosso cérebro não chega qualquer reprodução da imagem retiniana mas informação codificada em actividade neural. Veja agora as mesmas imagens de Bush mas de forma corrigida, sem estarem invertidas,


a diferença é abissal. A forma como percepcionamos o mundo é complexa e difícil de explicar e é através destas experiências que os estudiosos destes fenómenos ilustram as ilusões que se operam no nosso cérebro e as tentam explicar. Jan Dibbets, durante décadas utilizou a fotografia para demonstrar as ilusões opticas. Neste exemplo o nariz, olhos e boca são referências que o cérebro apreende rápidamente ao contrário de outros traços como as expressões da boca e olhos. Outros exemplos que a revista revela são semelhantes às experiências efectuados pelos gestaltistas. Se rodarmos o rectângulo em 45 graus,

passamos a ver um losango. Na figura que se segue, passamos a ver novamente um rectângulo.
Os psicólogos gestaltistas assinalaram fenómenos importantes, nomeadamente a tendência do nosso sistema perceptual em agrupar elementos em unidades simples. Diziam que há uma tendência para organizar o que vemos, e enunciaram leis da organização que regem a nossa percepção.

Contemporânea com os gestaltistas, a escola Bauhaus, incutia aos alunos uma certa filosofia a respeito do espaço, cores e formas dos objectos. Um dos professores do curso básico, Johannes Itten, propunha desenvolver nos alunos uma nova linguagem visual. Itten, um sonhador metafísico, que inventou um novo método de ensino baseado em exercícios práticos, experiênciou com os seus alunos alguns dos princípios da Gestalt. Para ele era importante que os alunos experimentassem processos sensoriais que resultam na percepção, pois só entendendo esses processos subjacentes é que poderiam perceber os objectos. Itten entendia que a percepção não era simplesmente determinada pelos padrões de estímulo, mas ao contrário, por uma busca dinâmica da melhor interpretação dos dados disponíveis. Assim através de exercícios os alunos experimentavam, por exemplo, que uma forma mais longa quando contrastada com uma mais pequena, parecia mais longa.
Vertical and parallel lines, Berlim 1928, aulas de J.Itten
Utilizava a fotografia nas suas aulas para ajudar os alunos a perceber os processos sensoriais que resultam na percepção, por exemplo, com base no testemunho das sombras o cérebro tinha mais informações sobre o objecto pois através delas obtinham uma segunda visão das mesas e cadeiras.
Tables and Chairs, Berlin 1929, Fotografia utilizada nas aulas de J. Itten
A fotografia agudizava a percepção e os alunos percepcionavam figuras tridimensionais no plano da folha.

Na exposição “50 anos de Arte Portuguesa”, actualmente na Gulbenkian, Fernando Calhau no relatório da sua 2ª candidatura a uma bolsa apresenta um relatório onde podemos ler: “Depois da minha estada em Londres que decorreu de Outubro 73 a Agosto de 74, o meu trabalho sofreu profunda evolução, dentro dos aspectos conceptual e técnico. Assim certos procedimentos fotográficos revelaram-se-me particularmente interessantes pela possibilidade duma quase redundância através da qual se torna possível provocar determinadas evidências de percepção. Pretendia então continuar essa investigação, tendo em vista um sistema analítico de desmontagem de conceitos espaciais e temporais utilizando como meios fotografia, slides, filme, cópia heliográfica, serigrafia, desenho e pintura”.
Com a fotografia, uma forma de registo temporal, Calhau, recorre aos intervalos de tempo e à recolha rítmica do mesmo campo de visão sujeito às modificações produzidas pelo tempo. As modificações podem ser dadas de várias maneiras consoante o tema fotografado. No trabalho sobre o mar, cuja obra pertençe à colecção Berardo,
Fernando Calhau, 1976, colecção Berardo
Fernando Calhau, 1976, colecção Berardo
é a mudança da posição das ondas que condiciona a variação do aspecto físico. Utilizando um dos princípios propostos por Wertheimer, um dos psicólogos da Gestalt, Calhau põe em evidência a percepção, ao fotografar e verificar que bastava uma simples variação do factor distância espacial ou temporal entre elementos para provocar uma alteração no conjunto.

Mas o conhecimento dos objectos não se limita à informação que obtemos quando olhamos para eles, envolvem experiências que não se limitam à visão. Os objectos são muito mais do que simples padrões de estimulação, também com passado, os objectos transcendem a experiência. Uta Barth, que utiliza a fotografia para revelar o que hoje já não vemos, é inseparável do processo da memória. Numa das sua primeiras séries fotográficas, “Ground”, Barth recorda a influência subliminal de Jan Vermeer, que só notou depois de tirar Ground #30.
Uta Barth, Ground #30, 1994
Esta imagem recorda-se Barth “seemed oddly familiar to me” e continua, “after days of wondering about that, I finally realized that the piece reminded me of a particular Vermeer Painting. The only artwork in my home as a child was a pair of small Vermeer reproductions, which now hang in my office at the University...I found that the layout and composition of the space and the direction and quality of the light in one of those paintings was absolutely identical to the photograph…”
Jan Vermeer, Milkmaid, c. 1658, oil on canvas, 45,5 x 41 cm, Rijksmuseum, Amsterdam
Tira depois Ground #42, com as duas reproduções de Vermeer,
Uta Barth, Ground #42, 1994

Onde acaba a imagem e começa a percepção? É a questão que a Barth interessa desvendar e a fotografia será para ela o meio para o fazer.
Se no início as ilusões opticas são a sua preocupação,
Uta Barth, Untitled #8, 1989
na série “Ground”, Barth elimina qualquer objecto, sujeito, acontecimento das fotografias, e o que nós vemos é luz a entrar num espaço, como refere Barth “...the question for me always is how can I make you aware of your own activity of looking, instead of losing your attention to thoughts about what it is that you are looking at”.
Em 1999, a série “nowhere near”, é fotografada dentro de sua casa. Com diferentes ângulos e em diferentes horas do dia Barth fotografa o exterior que se vê através das janelas.
Uta Barth, "nowhere near" (nw 9), 1999
Dirá “...what interests me the most is that it is so visually familiar that it becomes almost invisible...and nothing hapens, nothing ever changes for days, for months, only the light...I’m interesting in eliciting a perceptual experience...”.
E para tornar o espectador consciente da actividade que é o olhar, esta série revela uma óptica de extrema simplicidade. Quando olhamos para um objecto ajustamos de certa maneira o nosso aparelho ocular. Para melhor entendermos o que se disse basta olhar para as figuras ambíguas utilizadas pelos psicólogos.
As figuras alternam objecto e fundo, e o mesmo padrão de estímulo no olho motiva diferentes percepções, ora vemos uma jarra branca ora vemos dois perfis. Em “nowhere near”, Barth obriga os nossos olhos a ajustar-se primeiro ao vidro da janela,
Uta Barth, "nowhere near" (nw 14), 1999
para em seguida, nos determos na paisagem desfocada que quase não vemos. Cada uma destas visões, requer um ajustamento ocular diferente, como se se tratasse de dois estímulos diferentes, semelhantes às figuras ambíguas, desta forma Barth pretende revelar ao espectador a natureza ambígua da percepção.
Em 2002, “white blind (bright red)”, o trabalho restringe-se ao exterior, “ It’s just the tree outside of my window! It’s no longer even the window; it’s just the tree”. Agora são os fenómenos da fadiga ocular que Barth explora e quer revelar. Utilizando séries repetitivas da mesma àrvore,
Uta Barth, "white blind (bright red)" 2002
interrompe-as com painéis coloridos, amarelo, vermelho, branco....E mais uma vez, à semelhança de experiências feitas por psicólogos, que depois de submeterem sujeitos a longas exposições de um mesmo estímulo, verificaram que após uma interrupção, o sujeito continua, mesmo já sem o estímulo, a ver a mesma imagem. Barth traduz estas experiências,
nestas imagens brancas, amarelas, que para além da cor reproduzem em negativo as imagens das àrvores. Em galerias, este trabalho é exposto como se um horizonte de imagens se tratasse.
Uta Barth, "white blind (bright red)" 2002, instalação no ACME de Los Angeles

A percepção não é simplesmente determinada por estímulos. Até onde a experiência afecta a percepção? Até que ponto temos que aprender a ver?

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